Dificuldades Inerentes ao Estudo do Processo Civil comparado

28/02/2019

Mauro Cappelletti. (Processo Civil Comparado 2001)

Existem algumas graves dificuldades de caráter objetivo que
se apresentam a quem quiser examinar, mesmo a largos traços, os
aspectos característicos do processo civil no direito comparado; dificuldades
que se tomam ainda maiores para quem quiser tentar uma
comparação não limitada aos países de uma "família jurídica" única,
mais estendida aos sistemas de famílias jurídicas diversas,Uma primeira dificuldade de caráter objetivo é oferecida pela inexistência de um direito processual civil da Europa Continental2 que
possa contrapor-se, como um todo unitário, ao commom law procedure. A contraposição commom law!civil law é uma abstração que apenas de modo aproximado trata de expressar uma verdade. Fora de dúvida que cada país europeu tem um direito processual próprio
e um código de direito processual. Na Itália, existem, inclusive, três sistemas de direito processual civil, se se quiser ter presentes, juntamente
com o código do Estado italiano, em vigor desde 1942 e
modificado depois da guerra, também aquele, bem interessante e nada
carente de originalidade, do Estado da Cidade do Vaticano (de 1946)
3 e o sistema processual da República de San Marino. Na Suíça, existem
não menos do que 25 códigos de procedimento civil referentes a
cada cantão, promulgados em épocas diversas (a partir do último século), e todos bem distintos e mais ou menos diversos entre si, além
do código de procedimento civil federal de 1947. Na França, o código
de procedimento civil de 1806 que, da mesma forma que o Code
Civil ou Code Napoléon, deixou sentir durante o último século uma
forte influência sobre as sucessivas codificações européias, sofreu, especialmente
nos últimos anos (dezembro de 1958 e outubro de 1965)4
, mudanças radicais que o diferenciaram ulterioimente diante, por exemplo,
da Ley de enjuiciamiento civil vigente na Espanha. Na Áustria,
continua em vigor a Zivilprozessordnung de 1895, obra genial de Franz
Klein, a qual é talvez, ainda hoje, pelas idéias nas quais está inspirada,
a obra mais moderna de legislação processual civil na Europa e exerceu
notável influência sobre algumas legislações posteriores. Na Alemanha
- também na Alemanha Oriental - continua ainda em vigor a Zivilprozessordnung de 1877, modificadas por várias novelas sucessivas. Assim também em outros países: na Dinamarca, o código de procedimento
é de 1916, em vigor desde 1919 e com sucessivas modificações;
na Noruega, o processo, que até 1927 era regulado por uma
antiga lei de 1687, está regulado agora pelo código de procedimento
de 1915, que entrou em vigor 12 anos mais tarde; na Suécia, o processo,
anteriormente regulado por uma lei de 1734, hoje está regulado
pelo código de 1942, em vigor desde 1948; na Espanha, está ainda
regulado pela velha (em anos e em concepção) Ley de enjuiciamiento
civil de 1881; etc., etc. E isto sem falar nos países da Europa Oriental,
sobre os quais não podemos silenciar em uma investigação dedicada
ao procedimento civil europeu-continental. Neles, o fenômeno mais
interessante para o estudioso comparatista - um fenômeno que, iniciado
no final da última guerra, talvez se tenha atenuado, mas não cessou
nos anos mais recentes - é o de uma forte convergência das várias
legislações, que tendem, em linhas gerais, a se ajustar ao modelo da União Soviética5 e também, por isso mesmo, a separar-se - como veremos melhor adiante - em muitos princípios fundamentais e, consequentemente, em institutos singulares do que poderíamos, grosso modo,
definir como o modelo europeu-ocidental, com a formação, portanto,
também no plano processual, de uma nova e autônoma "família jurídica"
de socialistas,Uma segunda dificuldade de caráter objetivo que se agrega, pois,
à assinalada multiformidade dos sistemas processuais europeu-continentais
- uma multiformidade que, além do mais, encontra-se também,
se bem que talvez menos acentuada, no âmbito da família de commom
law - consiste na bem conhecida e profunda diferença que existe entre
os sistemas jurídicos, substanciais e processuais, dos países de civil
law, por um lado, e dos países de commom law, por outro. Não
apenas, pois, é extremamente problemático a individualização das duas
entidades homogêneas {civil law - comom law) contrapostas, mas,
mesmo admitida tal individualização, tratar-se-ia, de todo modo, de
duas entidades profundamente diferentes e, por conseguinte, não facilmente
comparáveis entre si. Acrescentem-se, além do mais, as dificuldades
de caráter subjetivo: quem for especialista em estudo jurídicocomparativo
saberá muito bem quais e quantos são os perigos de confusão
que podem se apresentar em toda tentativa de comparação jurídica.
Comparação significa, comumente, obra de síntese realizada sobre
a base de dois ou mais ordenamentos ou grupos de ordenamentos
jurídicos. Mas todos nós sabemos que não se pode fazer uma obra
séria de síntese que não venha fundamentada numa prévia e atenta
obra de análise, a qual, em cada caso particular, não se pode fazer



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